sexta-feira, 28 de agosto de 2015

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nem sei se acontece noutras têmporas.
passo meus olhos pelos versos,
tenho a impressão de ser lido, decifrado.
olho de brusco pra linhas passadas
e vejo palavras à margem fingindo inação.
do inverso talvez brotasse o caos.
simulo leitura rápida
e volvendo traiçoeiro,
surpreendo várias letras
fora de suas pré-posições.
aceno num canto de olho,
respondem com pingos nos is.
cúmplices, seguimos em leitura velada.
já não sei se sou frente ou verso
fábio gondim
canto para elias (para Elias Borges, guardião do relicário das palavras impossíveis, engenheiro de universos em migalhas do que era coisa nenhuma)

"Corumbá" de Júnior Silva


quinta-feira, 27 de agosto de 2015

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às cinco da manhã,
[a menina bonita de perth] entendiada.
a mesma revolta com pássaros enfadonhos
asseclas de manoel, avis rara.
madrugadores artistas do pé de pau-ferro,
paisagem há décadas dos olhos de sua janela.
esse pardal,
que nem profissional é,
estufa o peito como quem fará peça num único sopro
e põe-se a capella em poderoso tenor
[o pescador de pérolas].
tempos depois, internada em ala psiquiátrica,
vida toda desperta pelo coro dos malditos,
num segundo de lucidez ri versos conexos.
é carmem.
pardalzinho bizet, seu mentor
fábio gondim
lobotomia de passarinho
(para Clucia Andrade)
"Nuit pluvieuse" de Júnior Silva
.
tirou uma chapa de frente do espírito.
viu um câncer de verso
tomando conta do seu oco.
como disse certo dia
um mensageiro dalgum quengo,
poesia é polaróide de alma
fábio gondim
lambe-lambe (para o "poeta lambe-lambe" Elias Borges)
*Arte: "Ballet" de Júnior Silva
"Ballet" de Júnior Silva

terça-feira, 25 de agosto de 2015

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sabe da poeira
que se acumula nos (i)móveis.
torrente de chão refinado,
cobrindo de lama o território
dos que deixam pra depois.
preso na rede da varanda,
feito peixe pedindo rio,
tenta uma moção derradeira da alma.
sem sucesso.
está desenganado,
é pó e mobília
fábio gondim
inanimado
Grafite de OSGEMEOS na 8ª Bienal Textile na Lituânia
.
tantos mais fios cruzados
pra não se alcançar
a alma duma mulher.
navalhas cegando nas travessias.
muitas mais pinguelas
bambas transpostas
pra sequer mirar o lastro
sincero dum homem.
troncos fadados à
clausura horizontal.
preso na cela central do escopo,
o mundo livre à sua volta.
a criatura come seus dentes no espelho,
alua
fábio gondim
o ciúme
Mural de OSGEMEOS no Museu de Arte de Porto Rico
.
como numa caravela cruzando o inferno.
náusea e mar revolto.
abutres lhe bicando as vísceras.
vermes navegando em sua carne viva
a pilhar seu parco juízo entregue.
feras lhe arrancando as orelhas
e novos ouvidos repostos
para que saiba do próprio gemido.
seus olhos salivando ajuda.
refém e faminto
resta-lhe a sopa de lodo
fábio gondim
umbral (para Clucia Andrade, que me oferta inspiração numa única palavra. Caravelas!)
"Red kings" de Basquiat
.
minha essência predileta,
rosa dos ventos.
minhalma viaja por quatro nortes,
aponta pra todos os perfumes.
nasce aonde nas tardes morre o sol,
minha morrente.
cada poema,
um meu epitáfio diário
fábio gondim
diário das morrentes
"Cabeza" de Basquiat
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lamúria grudenta,
dessa gente besta enamorada...
se deus antes de tudo criou a solidão
e na sequência da companhia,
a traição...
fábio gondim
o juízo de deus
"Fallen angel" de Basquiat
.
algumas palavras,
ou sós
ou em bando
tantãs do fastio
na condição
de casulo,
batem asa
fábio gondim
o nascimento da metáfora
"Mona Lisa" de Basquiat

domingo, 23 de agosto de 2015

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decidira sobre a morte.
o local, a data, o método.
nada de dor,
nada de imprevisto.
em seu universo arrogante,
havia dinheiro que isso pagasse.
véspera:
à mesa, na frente do prato.
a bala perdida arrebenta uma costa.
no medo infundado
que o fim lhe pregasse uma peça,
sinapse ebulindo, ataque cardíaco.
tomba pra frente no prato de sopa.
irrompido o inevitável afogamento,
falece vazando sangue.
a vidraça do monóculo
lacerando os miolos
fábio gondim
sopa de sangue
Ilustração de Cau Gomes
.
aflito, no alto,
após seu apelo vão,
o sino num esforço divino,
desdobra-se num último chamado.
lá dentro uma viva alma,
temporão de três dias.
os braços abertos,
esperando dois mil anos
abraço que não veio.
a igreja às moscas,
rondando o sangue.
as mãos pregadas
sem poder espantá-las
fábio gondim
o dilema de cristo
"Jesus" de Romero Britto

sábado, 22 de agosto de 2015

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auxiliadora, da ajuda, do amparo,
sem direito à hora-extra
da boa viagem, dos navegantes,
sem direito à férias.
do divino alimento, sem vale-refeição
da natividade, da conceição,
do bom parto,
sem licença maternidade.
do perpétuo socorro, sem aposentadoria
fábio gondim
o dilema de maria
"Nossa Senhora" de Marcel Mello
.
perdera a capacidade de escrever há anos,
-- um acidente no túnel do carpo --
mas ainda vinham ao tino cartas suas.
impossibilitado de se comunicar nesse plano,
ditava aos ouvidos do fiel amigo
a poesia que habitava seu testo.
fábio gondim
autopsicografia
"Obaluaê" de Marcel Mello
.
um dia seu testo vestiu-se o avesso.
ariou o tento,
removeu o limo das paredes de dentro.
as íris do is piscavam ressabiadas...
já não tinha palavras.
a dor vinha da altura da sambiquira.
escorrendo pelo rego,
seus ossos mijavam-se de rir.
roíam seu tutano.
entre um aceno de adeus ou de esmola,
das mãos já faltavam cem dedos.
sem outros a lhe trazer o verso
fábio gondim
sem palavras
"Bará" de Marcel Mello
.
ó doce, ó piedosa, ó clemente lua azul!
trazes-me o ronco nas noites insones,
sonhos nas tardes chuvosas,
luar do meio-dia na superdosagem.
um quarto de ti pros tempos de calma,
meia-lua de tualma para quando quase são.
e pra meu jorge o dragão pôr a dormir,
dez miligramas de quando estás cheia.
ó onipresente olho anil de deus!
ainda quando por sete dias te ausentas:
um trimedal,
efeito placebo
fábio gondim
diazepan
"Ogum" de Marcel Mello
.
no último andar,
derradeira chance de lançar-se.
era poeta.
carregava a solidão de todas as almas,
ausência de todas as coisas.
olhando deste ângulo mundo abaixo,
teve ideia inadiável dum texto.
oxalá lhe soprara vida às ventas.
arfante,
enfrentou vinte lances de escada.
universos cadentes entre a base do penhasco
e a ponta dos rochedos.
tinha um poema a fazer,
seu ofício
fábio gondim
gaveta de solidões
"Oxalá" de Marcel Mello
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seus olhos, iscas de carne.
roubaram minh'alma do colo.
oxum ainda chora sentido
nas frias noites de junho.
lançaram meu corpo
aos raios e mar revolto,
pelos vales do aço e do sal.
nasci e nasci cem vezes,
perdido dos meus
até ser entregue a oxóssi, meu pai.
a lança e a flecha são meus guias,
mas inda à noite quando tento sonhos
e no longe ouço onda lambendo margem,
a imagem de mãe é que me vem.
então desejo baixinho:
ah seu rio!
se fosse eu água,
de meu leito não escapava.
fábio gondim
pai e mãe
"Oxum" de Marcel Mello
.
esponja de ariar brios.
esmeril para limites da palavra possível.
nem ferreiro nem espeto de pau,
aço de iansã
fábio gondim
instantâneo de elias
"Iansã" de Marcel Mello
.
chave para travas na língua.
cócega nas banhas da alma.
nem poseidon nem netuno,
iemanjá
fábio gondim
instantâneo de carmem lúcia
"Iemanjá" de Marcel Mello
.
oleira que saliva olhos
dos que atinam raridade no soslaio de seu verso.
nem profeta nem quiromante,
bonfim
fábio gondim
instantâneo de eva
"Obá" de Marcel Mello
.
escrevo folhas,
tenho trejeitos de árvore.
nesse tempo,
em que o ponteiro menor do meu tino
espera enfastiado
o chamado da próxima hora,
escrevo outras.
vivo outono de doze meses.
entre a cólera e a curandeira,
broto folhas sem margem.
meu coração bombeia seiva
fábio gondim
eterno outono
"Oxóssi" de Marcel Mello
.
quase são, joão tenta encontrar-se.
vasculha a impressão das linhas
nas pontas das mãos.
mapeia as linhas de expressão
na beiras dos cílios.
examina-se.
uns o chamam ao socorro
num ponto de xangô.
vozes quebram em seu ouvido
lhe gritando aos dois nomes.
confuso,
nega-se à medicação.
por certo os que lhe gritam rogo
é que carecem remédio urgente
fábio gondim
o dilema de xangô
"Xangô" De Marcel Mello
.
seja na procissão,
estrada de ferro e carne,
caminho de serragem e crença.
no gorjear dos sinos da copa das torres,
o chamado das almas
às cirandas dos terços.
nos imperativos passados de criança
ou na ânsia de amadurecer
nos galhos dos louva-a-deus.
tudo houve e inda mais:
do fosso do vulcão do tino,
faz regar poesia
em cada tampo que alcança.
assim costura fé com verso,
retalhos vitais
pros que se vestem do corpo e do sangue
fábio gondim
pão, poesia e vinho (para Ileides Muller)
"Procissão" de Antônio Gomide
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suspensa por dois ganchos,
nos esteios de aroeira sideral,
a lua é quarada insone.
cansados de guerra,
sob o olhar azul do planeta,
adormecem dragão e jorge,
largados na imensa rede branca
do quarto crescente
fábio gondim
a rede (para Tânia Gauto)
"A Lua" de Tarsila do Amaral
.
sangue nosso.
pés rachados pela poeira,
calçando tiras rotas presas num prego.
apagando da cabeça o passado
a quarenta volumes oxigenados.
palhaços do circo das almas.
cabelos de milho.
maxixe e quiabo no tampo,
carmens miranda do cerrado.
à certa altura rompem-se do que não era,
nunca fora.
livram-se de si
fábio gondim
sonhos dourados (baseado no texto "br 163 km 259" de fábio gondim)
"Índio Pataxó Ubiran poligonal" de Kelvin Oliveira
.
pedaços teus
no baixo de minhas unhas,
retalhos de carinho ou briga,
não lembro.

boiavam lágrimas anônimas de clonazepan
na imensidão dum oceano de camomila
revolto em tuas mãos,
meu mundo no
mar da tua palma.
última lembrança.
acordo aos teus gritos.
sempre tornas noutro dia
a reclamar tua melhor parte
aprisionada sob os fios de meus dedos.
o falso falo indicador solícito,
impregnado de lacerações põe-se de pé.
honra arranhada por fim.
coração e unhas cerrados
fábio gondim
yin e yang avesso
"Position of yin and yang" de Erik Ravelo
.
sirvo meu coração ao ponto
com fritas,
se for essa tua dieta.
minha moleira grelhada.
passo teus dias,
costuro teus medos,
lavo tua alma.
tenho que meu tino
pretende algum interesse
em teus olhos,
desconfio...
os meus,
abertos,
brilham em alta voltagem
e fechados,
no arco das íris,
piscam teu nome num néon de seis cores
fábio gondim
samuel

"Position of the Anvil" de Erik Ravelo

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

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teus pelos em riste
como um exército em forma
marchando afoito
à conquista dos meus meios.
rompe as trincheiras do meu dorso,
planaltos de gordura,
que a ti,
frouxas terras férteis.
tua bandeira em meu mastro
tremulando histérica.
braços abertos.
pernas afastadas.
triunfo respingando
por todos os poros,
chafariz esfuziante
de águas dançarinas
minha lança,
teu brasão,
meu escudo
fábio gondim
o tigre branco
"Position of the Tiger" de Erik Ravelo

terça-feira, 18 de agosto de 2015

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suspensa por dois ganchos,
nos esteios de aroeira sideral
a lua é quarada insone.
cansados de guerra,
sob o olhar azul do planeta,
adormecem dragão e jorge,
largados na imensa rede branca
do quarto crescente
fábio gondim
a rede
"A Lua" de Tarsila do Amaral
.
sangue nosso.
pés rachados pela poeira,
calçando tiras rotas presas num prego.
apagando da cabeça o passado
a quarenta volumes oxigenados.
palhaços do circo das almas.
cabelos de milho.
maxixe e quiabo no tampo,
carmens miranda do cerrado.
à certa altura rompem-se do que não era,
nunca fora.
livram-se de si
fábio gondim
sonhos dourados (baseado no texto "br 163 km 259" de fábio gondim)

"Índio Pataxó Ubiran poligonal" de Kelvin Oliveira

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

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a alma sua
debruçando sobre a minha lavas.
lágrimas de plástico
fundindo a graxa de minhas veias,
ebulindo meus glóbulos em festa,
baixando meu níveis de colesterol.
a alma docê
grudando sobre mim a espora,
forjada no aguado e insosso,
espantando formigas e abelhas,
inalando o mel do meu tempo,
regulando meu nível de glicemia
fábio gondim
paixão clínica
(para Samuel. Feliz aniversário!)
"The Course of Empire - Destruction," de Thomas Cole

terça-feira, 11 de agosto de 2015

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na altura do penhasco da boca
o trio de letras cospe cumprimento;
anglo ou saxão,
como se ora importância tivesse.
riem-se do siso varrido
e quedam precipitadas
fábio gondim
haikai camicase
"Motocicletas" de Ton Barbosa
.
poesia

é sinapse
de alta voltagem.

angústia e alegria em curto.

no revés da treva,
supernova

fábio gondim
excelsior
"Araucárias I" de Ton Barbosa

sábado, 8 de agosto de 2015

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derrama vazios perfeitos,

como quem lustra
a pele de dentro.

gira tempo sem amarra.
abre-se à analista,
escreve poesia.

cava diamante com unha nua.

rastro só conhece voo
quando perde as chaves do tampo

fábio gondim
chapéu mexicano (para Kenny Teschiedel)
"Bondinho" de Ton Barbosa

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água minha boca,

quando sua língua
aos mortos empresta.
ressuscita quintanas, nerudas e clarices.
reanima pessoas, como um cristo.

assim é que a garganta lubrifica-se em êxtase
quando cospe cecílias.

espasmos de visgo quebram aos ares,
contraem mandíbulas,
despertam leminskis,

salivo sim,
quando dá voz a seus idos,
confesso

fábio gondim
embebido (para Elias Borges)
"Trombone" de Ton Barbosa

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

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escreve aos seus.

escreve aos outros
que vêm em romaria e desespero,
lambendo lavas de seu lóbulo:
do visgo do martelo
ao oco surdo da bigorna.

aos sem alma nem beira.

aos relâmpagos que serpenteiam
no estômago dos puros
e aos raios que rangem
no túmulo das bestas.

aos andarilhos que habitam seu quengo,
que ardem entre a treva e a meia-luz
e preferem os vultos às claras.

muito mais às angústias
que são francas,
que às alegrias e seus preços.

para expulsar seus solitários à dança
e os pra frente, ao último banco
do baile dos esquecidos.

nega-se a qualquer outro ruído
senão pela voz dos mudos.
escreve aos mortos e aos vivos do porvir.
aos perdidos, gastos e malditos
que nada desse pó herdarão,
senão o reino

fábio gondim
fábio gondim (para mim e todos os que habitam minha cachola)
"Estação de Bauru" de Ton Barbosa
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rói seus ossos os cães

na fila do açougue.

o açougueiro,
os da fila,
suas partes nos ganchos,
iguarias de roer.

lança uma costela pro longe,
a matilha raivosa põe volta.

seus ossos de diamante
só o pó do osso,
cambitos mártires

fábio gondim
no osso
"Guará" de Ton Barbosa

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

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uma descarga e milhares de volts

galopando o oco das veias,
varando o reumatismo dos nervos,
esvaindo a forma líquida de constrangimento.

o cheiro de urina quente
regando as dobras curvadas de dó.
a perda da fala.

dor que agulha as rapas da alma.

quase falha dos sentidos,
mini-óbito no meio da cozinha.
o encontro da quina de um móvel qualquer
com o ossinho do cotovelo

fábio gondim
o grande encontro
"Acorde" de Ton Barbosa
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esconde os olhos na gruta do travesseiro.

no escuro imenso do teto de espuma,
dois vaga-lumes piscando.

sabe que o sol chega em minutos.
que a fúria virá
rompendo todos os vãos,
que os seus buracos todos
também serão lambidos pelos raios
lhe chamando à vida.

aperta o escudo de pano
contra os ouvidos:
a luz acompanha
um coro irritante de pássaros.

só mais dez minutos, pensa
e a melhor parte da vida
escorre em dez minutos

fábio gondim
homem de papelão
"Homem de papelão" de Ton Barbosa

sexta-feira, 31 de julho de 2015

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assim é que há muito

beijo santos desejando pedras.

nadainda me saliva
fazendo doer as mandíbulas.
ou desfaz o desejo insano
de querer seu ferro de marcar bicho
curando minha chaga,
tatuando seu desejo em cada poro aberto.

nada,
como seus olhos sobre os meus deitados,
varando as portas ao meio : :

fábio gondim
ferrete

"Corpo Anônimo 3" de Ton Barbosa

segunda-feira, 13 de julho de 2015

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alguns dias depois,
duma ripa de costela cria o culpado.
dois mil anos atrás
recorre ao mesmo artifício dramático.
na penteadeira de deus,
dentro da gaveta dos homens,
uma fortuna em pedras de naftalina
a disfarçar o cheiro das peles em chagas
fábio gondim
maçã e moedas
"Corpo Anônimo" de Ton Barbosa

domingo, 12 de julho de 2015

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fazem planos pra serem içados aos céus,
escolhidos a dedo de deus.
plano que tantos querem
e que fato é certo destino,
a muitos será ingrata decepção
por se tratar de pura poesia.
o perfume molesto que ora cambaleia
será só mais um perfume no seio de deus.
o cristo, autor tão adorado,
já dava pinta disso em seus versos
carregados de linhas tortas
fábio gondim
perfume maldito
"Corpo anônimo 01" de Ton Barbosa


sexta-feira, 3 de julho de 2015

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contorcia-se feito porco esfaqueado,
roncava, grunhia,
cuspia angústia pelas ventas.
nada, nem sangue nem oxigênio
impediria a derrocada iminente.
inda estrebuchava relutante.
aquela que lhe era mais cara porém,
indiferente à sua dor
encharcava-se de perfume e creme
aprontando-se para o baile.
piorando seu circo de horrores,
pintava-lhe de pó e batom
a fazendo palhaça,
sufocando os grunhidos.
tarde demais.
a caminho da festa,
era velada mais uma célula morta
no rosto da moça
fábio gondim
a passagem da célula
Óleo sobre tela de Pedro Ivo
.
ela lá na borda:

dum lado da fronteira um bento atemporal.
doutro aquele aumentado dez vezes.
da cima da linha põe um pé em cada esquina.

faz do circunflexo seu teto,
do til sua onda,
do resto seu alimento.

diz que cê cedilha
é letra pondo afora toda a obra falsa,
lassa e insossa,
escrita com um ou dois esses.

aos gritos e mornos assim diz,
porque metade de si é loucura
e a outra metade se cura

fábio gondim
raqueldialeto de bordaxetina (para Raquel, princípio ativo da cápsula)
*Arte: óleo sobre de tela de José Luis López Galván
Óleo sobre de tela de José Luis López Galván
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ela lá no centro:

bordando caminho com fio de ouro,
esculpindo tantas maçãs quanto necessárias
até essa gente morder o osso da língua.

da carne gerada em seu oco,
alegria rasgando boca;
sorriso estendido no rosto feito rede,
armado de orelha a orelha.

do chão se atira ao abismo dos céus
(ofício ensinado por manoel).

como faz se asas não tem?
escreve

fábio gondim
evavilridrato de centrotriptilina (para Eva, princípio ativo na fórmula da cápsula)
Óleo sobre de tela de José Luis López Galván
.
ele lá no alto,

equilibrado no bambo fio da navalha:
numa mão a vertigem,
noutra o desejo de ser lelé.

quisera saísse à dança no compasso devido,
mas pula de dentro de si
para a precipitação dos dias de depois.

rodopia,
antes que o apanhador de sonhos chame o vento à salsa.

sua ansiedade é órbita de ponteiro
dois minutos antes da véspera.
sua lucidez tão intensa e breve
quanto uma pérola de naftalina

(fábio gondim)
eIiasborgianato de altobazepina (para Elias, princípio ativo da cápsula)
Óleo sobre de tela de José Luis López Galván

quinta-feira, 2 de julho de 2015

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o visgo da manga enroscado no vão de dentes,

o cheiro úmido da sombra da mangueira.

o apito do trem esparramando a rotina,
buscando o gosto de chipa da maracaju.
deixando o cheiro de bicho lacerado nos dormentes
e do esgoto peculiar dos vagões.

a brita nos trilhos,
a raiva chispante de aço
montado na alma das rodas,
rompendo a escuridão da vila.

de ansiolítico só melado com mandioca cozida.

a vida nos eixos da trilha
ao menos por aqueles dias

fábio gondim
br 267 km 366
A estação de Maracaju, data ignorada. Acervo Wanderley Duck